Friedrich Welwitsch

Retrato de Friedrich Welwitsch datado de 1863. Fonte: Robert Hardwicke, London - Internet Archive identifier: mobot31753003484141, https://archive.org/download/mobot31753003484141/mobot317530034841
41.pdf, Domínio público.
- Abstract
- Em meados do século XIX, o botânico austríaco Friedrich Welwitsch (1806-1872) foi uma figura-chave na produção de conhecimento científico sobre o Império Português. As suas coleções de flora africana e a intensa correspondência com alguns dos mais eminentes botânicos da época fizeram dele um protagonista de uma história mais alargada das múltiplas relações entre ciência e colonialismo.
- Description
- Nascido em Maria Saal, perto de Klagenfurt, na Caríntia do Sul, Welwitsch obteve o título de doutor em Medicina em 1836, com a tese Synopsis Nostochinearum Austriae Inferioris. Em 1839, foi-lhe proposta a oportunidade de fazer uma expedição aos Açores, a Cabo Verde e às Canárias, sob a recomendação de Christian Ferdinand Friedrich Hochstetter e Ernst Gottlieb von Steudel, da Unio Itineraria (uma sociedade científica destinada a financiar viagens de exploração científica e o intercâmbio de espécimes recolhidos nessas viagens, da qual Welwitsch também era membro). A 13 de julho desse ano, o botânico chegou por isso a Lisboa, nunca mais tendo regressado ao seu país. Seis semanas após a sua chegada a Portugal, tinha já adquirido um bom domínio da língua, e rapidamente conseguiu estabelecer contactos com entidades científicas e governamentais, incluindo o secretário da Academia das Ciências, Joaquim José da Costa de Macedo, o Rei D. Fernando II e o Duque de Palmela, diplomata e político. Ainda em 1839, torna-se sócio da Sociedade Farmacêutica Lusitana e, no ano seguinte, sócio correspondente da Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa.
Adiada inúmeras vezes, a expedição aos Açores acabaria por não se realizar. Em dezembro de 1840, num período politicamente conturbado, o Duque de Palmela confiou a Welwitsch o cargo de diretor do Jardim Botânico da Ajuda. Para além de diretor do Jardim, Welwitsch tornou-se demonstrador botânico (demonstrator botanicae) e conservador na Escola Politécnica de Lisboa, onde hoje se encontra o Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC-Museu da Universidade de Lisboa). A Escola Politécnica tinha sido criada em 1837, seguindo o modelo da École Polytechnique de Paris. Durante a sua estadia em Portugal, Welwitsch aproveitou a oportunidade para viajar e recolher plantas por todo o país, tendo Bento António Alves como seu assistente técnico. Em agosto de 1841, o eminente botânico escocês Robert Brown, então já com 68 anos, acompanhou-o numa excursão de três dias ao Vale do Zebro, a sul do Tejo.
Em 1844, Welwitsch abandonou ambos os cargos, quando o Duque de Palmela o nomeou diretor dos seus jardins do Lumiar e lhe confiou a gestão dos seus outros jardins espalhados pelo país. Em 1850, publicou Genera Phycearum Lusitanae, sobre as algas do seu herbário português e, no mesmo ano, o governo decidiu enviar uma expedição científica a Angola. Para este projeto, Welwitsch contou com o apoio do próprio rei D. Fernando II, do Ministro das Colónias, Bernardo Sá da Bandeira (1795-1876), e de Bernardino António Gomes (1806-1877), responsável pela cadeira de Materia Medica da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa. Assim, a 17 de março de 1851, o governo português autorizou o envio de um naturalista a para as colónias e, dado o seu vasto conhecimento da fauna e flora de Portugal, a 10 de abril do ano seguinte Welwitsch foi designado para o cargo.
A expedição de Welwitsch é peculiar por ter sido conduzida por um botânico austríaco contratado pelo governo português, e não por uma instituição científica, num período de exaltação da identidade nacional e de implementação do plano colonial. É possível encontrar uma atitude semelhante na segunda metade do século XVIII, durante o conhecido processo de reforma conduzido porMarquês de Pombal (1699-1782), que contratou naturalistas estrangeiros – nomeadamente Domenico Vandelli (1735-1816), de Pádua – para remodelar e atualizar as ciências portuguesas, e realizar expedições científicas pelas colónias (as denominadas “Viagens Filosóficas”). Comparando a expedição Iter Angolense com as “Viagens Filosóficas”, embora as ideologias e os contextos fossem diferentes, o enquadramento científico era semelhante. Ambas envolviam troca e circulação.
Depois de concluídos os preparativos oficiais, Welwitsch partiu a 8 de agosto de 1853 no navio de guerra Duque de Bragança, passando pela ilha da Madeira (de 12 a 14 de agosto), pelo arquipélago de Cabo Verde (de 20 a 24 de agosto), pela Serra Leoa (de 29 de agosto a 6 de setembro), pela ilha do Príncipe (de 15 a 22 de setembro), pela ilha de São Tomé a 23 de setembro, desembarcando finalmente em Luanda a 30 de Setembro. Esta expedição às possessões coloniais angolanas (1853-1860) tinha como objetivo recolher plantas e animais para análise científica, a fim de averiguar do seu potencial económico. Em Luanda, Welwitsch foi nomeado diretor da comissão encarregada de preparar a representação de Angola na Exposição Universal de Paris, de 1855. No mesmo período, foi nomeado sócio correspondente do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (1855), depois de ter enviado sementes para esta instituição. Welwitsch permaneceu em Angola por sete anos (expedição Iter Angolense), tendo realizado explorações nas atuais províncias de Luanda, Bengo, Cuanza Norte, Malange, Benguela, Namibe e Huíla. Nestas províncias, recolheu espécimes, fez ilustrações, tirou inúmeras e detalhadas notas de campo, tanto em termos de descrição, como de distribuição e habitat. Em Angola, em setembro de 1854, Welwitsch conheceu David Livingstone, no Golungo Alto. De acordo com a correspondência, a convivência entre os dois foi intensa, Livingstone representando o Império Britânico e Welwitsch – embora austríaco – representando o português, num período que antecedeu a constituição da Sociedade de Geografia de Lisboa (1875) e a chamada “corrida a África”. Welwitsch foi o primeiro europeu a descrever, a 3 de setembro de 1859, a famosa planta do deserto do Namibe, mais tarde classificada por Joseph Dalton Hooker como Welwitschia mirabilis, em homenagem ao botânico austríaco. Welwitsch regressou a Portugal a 31 de janeiro de 1861 com mais de oito mil coleções botânicas, correspondentes a cerca de cinco mil espécies, das quais mil nunca tinham sido descritas. Esta é provavelmente a coleção mais importante alguma vez feita na África Tropical. Pouco tempo depois de chegar a Portugal, foi nomeado membro da comissão governamental para o fomento da cultura do algodão em Angola e membro da comissão governamental responsável por preparar amostras de objetos para a representação nacional na Exposição Mundial de Londres de 1862. Como resultado desta exposição, Welwitsch recebeu uma condecoração pela excecional coleção de produtos, que lhe foi entregue pessoalmente pelo Rei, a 11 de maio de 1863; foi igualmente condecorado com a Ordem de Cristo. No mesmo ano, Welwitsch recebeu também a Cruz de Cavaleiro da Ordem de Francisco José (pelo Imperador Francisco José) e a condecoração da Ordem de Maria Anunciada.
No entanto, dado que em Portugal não tinha condições para identificar as suas coleções – por não dispor de bibliografia suficiente sobre flora tropical, nem de outras coleções botânicas para fazer comparações taxonómicas –, em 1863, após a devida autorização do governo português, Welwitsch partiu com essas coleções para Londres, mantendo os seus espécimes nas habitações onde foi vivendo, ao mesmo tempo que os tentava identificar nas suas visitas ao British Museum (BM) e aos Royal Botanic Gardens, Kew (K). Welwitsch foi eleito sócio (1858), e mais tarde fellow (1865), da Linnean Society of London. Em Inglaterra, manteve contacto com vários botânicos, entre os quais William Hooker, Joseph Hooker, Daniel Oliver e William Philip Hiern. Antes de falecer, em 1872, em Londres, deixou expresso em testamento o desejo de que as suas coleções fossem depositadas no British Museum e noutros herbários, mas o Governo Português, que tinha financiado a expedição, exigiu que elas regressassem a Lisboa. Seguiu-se um processo judicial, no qual ficou decidido, em 1875, que o melhor lote iria para Lisboa (atual MUHNAC- Herbário LISU), o segundo lote para o British Museum, e os restantes distribuídos por instituições diversas. Welwitsch é, portanto, uma figura de impacto internacional, quer em termos de botânica tropical (coleções e conhecimento botânico), quer em termos de contribuições para exposições internacionais. Encontra-se sepultado em Londres, no cemitério de Kensal Green.
O estudo da expedição Iter Angolense está incluído no projeto KNOW.AFRICA | KNOWledge networks in 19th-century AFRICA: A Digital Humanities approach to colonial encounters and local knowledge in the narratives of Portuguese expeditions (1853-1888) (ref. FCT - 2022.01599.PTDC | https://doi.org/10.54499/2022.01599.PTDC | www.knowafrica.uevora.pt )
- Creator
- Albuquerque, Sara
- Relation
- Instituto de História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa / IN2PAST — Laboratório Associado para a Investigação e Inovação em Património, Artes, Sustentabilidade e Território
- Date Issued
- 14-01-2025
- References
- Albuquerque, Sara, R. K.Brummitt e Estrela Figueiredo (2009). "Typification of names based on the Angolan collections of Friedrich Welwitsch". Taxon 58, 2: 641-646.
Dolezal, Helmut (1974). Friedrich Welwitsch: Vida e Obra, trad. A.W. Exell & E.J. Mendes. Lisboa: Junta de Investigações Científicas do Ultramar,.
Edwards, Phyllis Irene (1972). “Friedrich Welwitsch, 1806–72: His Manuscripts and Correspondence in the Departments of Botany and Zoology, British Museum (Natural History), the Linnean Society of London and the Royal Botanic Gardens, Kew.” The Biological Journal of the Linnean Society 4: 291–303.
Klemun, Marianne (1990). “Friedrich Welwitsch (1806-1872): (Pflanzengeograph in Kärnten, Begründer Des Herbars in Portugal Und Erschliesser Der Flora Angolas).” Carinthia II 180/100: 11–30.
Citation
Albuquerque, Sara, “Friedrich Welwitsch,” Connecting Portuguese History, accessed April 9, 2025, https://connectingportuguesehistory.org/items/show/92.