Acordo Cultural Luso-Brasileiro de 1941
- Title
- Acordo Cultural Luso-Brasileiro de 1941
- Abstract
- O Acordo Cultural Luso-Brasileiro foi assinado no Rio Janeiro em 4 de setembro de 1941, representando um selo simbólico da cooperação cultural entre os “Estados Novos” do varguismo e do salazarismo. Inscrito numa política pan-lusitanista e constituindo o quadro jurídico-diplomático para a instituição da Secção do Intercâmbio Luso-brasileiro no Secretariado da Propaganda Nacional em Lisboa, este acordo é uma das manifestações institucionais de estratégias políticas relacionadas com o lastro histórico e cultural então empreendidas pelos dois regimes.
- Description
- Assinado no Rio Janeiro a 4 de setembro de 1941, o Acordo Cultural Luso-Brasileiro representou a cunhagem simbólica do imenso esforço de cooperação cultural entre os “Estados Novos” do varguismo e do salazarismo. Esta cooperação havia sido emblematizada na participação brasileira nas comemorações do duplo centenário de 1940 e, como expressão de reciprocidade e agradecimento, no envio, em 1941, de uma missão/embaixada especial portuguesa ao Brasil (Paulo 1994). O acordo foi assinado no Palácio do Catete, sede da Presidência da República na cidade do Rio de Janeiro, por Lourival Fontes, diretor do Departamento de Imprensa e Propaganda brasileiro (DIP), e António Ferro, diretor do Secretariado da Propaganda Nacional português (SPN). Não obstante ter correspondido a um esforço de aproximação bilateral, o estreitamento de laços entre os dois regimes produziu efeitos escassos, diversos e impermanentes, em planos como o económico e de alinhamento político externo (Santos 2006). As suas ressonâncias foram sobretudo de ordem propagandística, assentes na ideia de um desígnio histórico-linguístico e cultural partilhado.
Nos decénios de 1930 e 1940, o comércio transatlântico do impresso no espaço luso-brasileiro foi estimulado por políticas para o livro, a edição e a leitura. Neste domínio, a circulação fazia parte de uma estratégia política mais vasta, relacionada com o lastro histórico e cultural, primordialmente a partir da década de 1930 (ainda antes da instituição da ditadura de Getúlio Vargas), quando se verificou a implementação de uma política pan-lusitanista (Serrano 2014), prosseguida com especial ênfase por António de Oliveira Salazar. É neste âmbito que se podem também situar a ação cultural do Instituto Nacional do Livro, fundado no Brasil em 1937 (Tavares 2020), ou a instituição da Secção do Intercâmbio Luso-Brasileiro no SPN, em Lisboa (já fruto do Acordo Cultural de 1941), incluindo a publicação de instrumentos impressos que materializassem ou exibissem a aproximação entre os regimes de Portugal e do Brasil, de que a revista Atlântico constitui um dos exemplos mais flagrantes. Nesta dinâmica, inscrevem-se igualmente a inauguração do Instituto Luso-Brasileiro de Alta Cultura, em 1935, e, ainda antes, o acordo ortográfico de 1931, congraçando a Academia Brasileira de Letras e a Academia de Ciências de Lisboa, e correspondendo a uma diligência de apaziguamento da clivagem que havia sido criada com a Reforma Ortográfica republicana de 1911.
A aproximação cultural delineada no Acordo de 1941 pode assimilar-se a um impulso sem precedentes rumo a uma confluência estratégica das políticas nacionalistas de ambos os lados do Atlântico. De certo modo, o Acordo Cultural Luso-Brasileiro traduz, nos planos formal e diplomático-simbólico, uma estratégia de sancionamento de afinidades, vinculada diretamente a interesses políticos e orientações ideológico-culturais, que instrumentalizam o lastro histórico e a língua comum para forjar um reportório memorialístico, concretizando iniciativas diversas, com destaque para a propaganda através da cultura escrita. Esta estratégia aproveitava laços intelectuais que vinham de trás (remontando ao final do século XIX), bem como a presença coetânea (nos anos 1940) de personagens-charneira do mundo extra-governativo, como a do editor e livreiro António de Sousa Pinto, por exemplo (Medeiros 2015).
O Acordo Cultural de 1941 foi fundamentalmente um arranjo político, e não tanto um tratado diplomático ou acordo comercial. Ele outorgava visibilidade a uma atuação deliberada, cuja razão se baseou no desígnio original de estabelecer laços culturais e políticos suscetíveis de atualizar uma conceção de nação cuja força motriz doutrinária se fundasse na partilha, de natureza extraterritorial, de uma língua e de uma história. António Ferro, em discurso de 1941, definia os pressupostos do Acordo, defendendo a existência de uma força nacionalizadora, que apelidava de “pátria flutuante”, espraiando-se por vários continentes através do mar (Ferro 1949: 35). Por sua vez, o seu homólogo Lourival Fontes insistia em que a língua portuguesa constituía um “vínculo indelével” entre as duas nações (Atlântico 1942, n.º 1, p. 2). No quadro dos instrumentos administrativos de operacionalização recíproca de vários aspetos do Acordo, ficou definida a criação de duas secções de representação de interesses, no seio dos dois organismos responsáveis, em cada um dos países, pela política cultural: a Secção Portuguesa, no interior do DIP (mais efémera e incapaz de sobreviver à queda da ditadura de Getúlio Vargas), e a Secção Brasileira, dentro do SPN, a qual conheceu uma presença duradoura na arquitetura institucional do Estado português; mesmo após o fim do Estado Novo no Brasil, permaneceu até 1974 como Secção de Intercâmbio Luso-Brasileiro.
O Acordo, sublinhe-se, não se cingia ao mundo da comunicação escrita. Esta ocupava apenas uma parcela do conjunto de catorze eixos de promoção cultural em sentido amplo, prevendo um feixe ambicioso e diversificado de atribuições: 1) intercâmbio e publicação de artigos inéditos; 2) intercâmbio de fotografias; 3) envio ao Brasil e a Portugal de conferencistas, escritores e jornalistas; 4) colaboração recíproca e com orientação comum quanto ao noticiário; 5) criação da revista Atlântico; 6) troca de publicações de turismo e propaganda; 7) divulgação do livro português no Brasil e do livro brasileiro em Portugal; 8) emissões radiofónicas e permuta de programas radiofónicos de interesse comum; 9) prémio pecuniário anual, atribuído conjuntamente; 10) permuta de exposições de arte e intercâmbio de artistas brasileiros e portugueses; 11) intercâmbio de atualidades cinematográficas; 12) facilidades para o turismo luso-brasileiro; 13) estudo do folclore luso-brasileiro e edições comuns sobre o tema; 14) comemoração de datas históricas de interesse comum (Atlântico 1942, n.º 2, pp. 180-182).
A realização de concertos, conferências, exposições e feiras dava desde logo o mote para uma série de iniciativas que foram animando o programa cultural e propagandístico, injetando temas brasileiros em Portugal e tópicos portugueses no Brasil. Decorrendo em diversos locais e cidades dos dois países, o grosso dos certames concentrou-se no primeiro lustro dos anos 1940, coincidindo com a coexistência de ambos os “Estados Novos”, persistindo mais esparsamente depois de 1945 e até ao final da década, apenas em Portugal, um conjunto de realizações.
Na implementação desta política cultural, os impressos ocuparam um lugar estratégico de difusão e salvaguarda do reiteradamente propalado património comum. Este ia da publicação de periódicos como Atlântico: revista luso-brasileira, Brasília, Boletim da Secção Brasileira do Secretariado da Propaganda Nacional ou Terra de Vera Cruz, à edição das coleções “Documentos dos Arquivos Portugueses que Importam ao Brasil” ou “Atlântico”. Para o caso português, por exemplo, é no interior da política editorial do Acordo de 1941 que emerge o apoio e subsidiação de instâncias e projetos pela Secção Brasileira, tais como o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Coimbra e Brasília, provavelmente a revista luso-brasileira de mais longa duração (1942-1968). Arregimentando um feixe de artistas e intelectuais portugueses e brasileiros, esta dinâmica editorial procurava dar visibilidade ao Acordo, mas também a outras vertentes do projeto político então gizado. A lógica deste encontro entre regimes homónimos, largamente vertida no Acordo Cultural de 1941, revelou uma intenção política claramente respaldada nos projetos nacionalistas que nos anos finais do decénio de 1930 e na primeira metade do seguinte marcaram a obra, a retórica e os propósitos ideológico-programáticos dos governos de Brasil e Portugal.
O esteio deste encontro de vontades não correspondeu necessariamente a uma partilha absoluta de estratégias e de modos de viabilização de uma colaboração institucional de alto nível entre os dois países. A interlocução de um ideário de matriz nacionalista operou-se a partir de propósitos específicos, modulados por interesses e proposições de fundamentação diversa. Do lado português, o impulso soube perdurar e ser mais intensamente assumido, erigindo uma mobilização estruturada em torno de um pressuposto que assimilou a história e a cultura nacionais à afirmação de uma conceção política pan-lusitanista. Forjada e estimulada pela propaganda dos organismos públicos, essencialmente portugueses, a política do pan-lusitanismo conduzia a aproximação, destacando o lugar do Brasil no passado quinhentista português (Serrano 2014). Sob este imperativo, inúmeras estratégias de propaganda foram criadas no sentido de realçar o lastro histórico comum, reafirmado na colonização do Brasil como uma espécie de montra de um passado português que se procurava apresentar como glorioso. A compatibilidade de intuitos era confrontada por solidariedades internacionais e por interesses socioeconómicos nem sempre convergentes – incluindo discrepâncias em posicionamentos de natureza simbólica e de memória histórico-ideológica, a exemplo do desconforto gerado nas hostes portuguesas quanto a certos temas apresentados por participantes brasileiros no Congresso de História Luso-Brasileiro em 1940, como é o caso o do dissídio das inconfidências setecentistas (Blotta 2009). Apesar de tais discordâncias, a cooperação luso-brasileira é largamente motivada pela necessidade legitimista de dois regimes de natureza autoritária, alicerçada em dinâmicas ideológicas e narrativas compagináveis, gravitando em redor da proposta de unidade linguística e de uma comunidade histórico-cultural na qual radicaria em medida não pequena a razão de ser da nação. O fim do Estado Novo brasileiro não interrompeu certa colaboração cultural sem deixar a descoberto as tensões e contradições que o processo nunca deixou de possuir.
- Relation
- Centro de Estudos Comparatistas (CEComp)
- Universidade Federal Fluminense
- Centro de Estudos Comparatistas (CEComp)
- Date Issued
- 11-11-2024
- References
- Atlântico: revista luso-brasileira (1942-1950). Lisboa: DIP/DNP e SPN/SNI. (1.ª série: números 1 a 7; 2.ª série: números 1 a 6; 3.ª série: números 1 a 3).
Blotta, Celine Gomes (2009). A Presença Brasileira nas Comemorações Centenárias de Portugal. Dissertação de mestrado em História Política. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Ferro, António (1949). Estados Unidos da Saudade. Lisboa: Edições SNI.
Medeiros, Nuno (2015). “From Seashore to Seashore: The cross-Atlantic agenda of the publisher António de Sousa Pinto”. Portuguese Studies 31(1), pp. 84-93.
Paulo, Heloísa (1994). Estado Novo e Propaganda em Portugal e no Brasil: o SPN/SNI e o DIP. Coimbra: Minerva.
Santos, Paula Marques (2006). “Relations Between Portugal and Brazil (1930-1945). The relationship between the two national experiences of the Estado Novo”. e-Journal of Portuguese History 4(2), pp. 1-15.
Serrano, Gisella de Amorim (2014). Caravelas de Papel. A politica editorial do Acordo Cultural de 1941 e o pan-lusitanismo (1941-1949). Lisboa: Instituto Camões.
Tavares, Mariana Rodrigues (2020). A Aclamação das Letras: O Instituto Nacional do Livro e a pedagogia literária no Brasil do século XX. Tese de doutoramento em História Social. Universidade Federal Fluminense.
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Citation
Serrano, Gisella, Tavares, Mariana, and Medeiros, Nuno, “Acordo Cultural Luso-Brasileiro de 1941,” Connecting Portuguese History, accessed December 12, 2024, http://connectingportuguesehistory.org/omeka/items/show/34.