Oposição católica ao Estado Novo

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- Oposição católica ao Estado Novo
- Abstract
- A oposição católica à ditadura do Estado Novo é uma história portuguesa, mas também nos leva a outros lugares importantes da formação e intervenção religiosa, cultural e política do catolicismo – de Lovaina, na Bélgica, à América Latina da Teologia da Libertação.
- Description
- Na década de 1930, um pequeno grupo crítico da «situação», liderado pelo padre Joaquim Alves Correia, reúne-se no jornal Era Nova. O percurso formativo de Alves Correia passara já por Chevilly, França, onde a 28 de outubro de 1910 havia sido ordenado presbítero, e pela Nigéria, onde entre 1910 e 1919 fora missionário espiritano. Também na década de 1930, os padres Francisco Pereira dos Santos, Abel Varzim e Manuel Rocha, críticos do projeto político do Estado Novo, frequentam a Universidade de Lovaina; Pereira dos Santos dedica a sua a tese de doutoramento às diferenças entre o corporativismo «estatista» do Estado Novo e o «corporativismo de associação» da Doutrina Social da Igreja. Regressados a Portugal, os «homens de Lovaina» adotam uma atitude de «colaboração crítica» com o Estado Novo (Rezola 1999: 88-93).
Nas eleições de 1945, o padre Alves Correia será um dos católicos que aderem ao MUD. As suas críticas à censura, à inércia da justiça, às ficções da propaganda da ditadura, acabam por conduzi-lo ao exílio nos Estados Unidos. Em O Trabalhador, jornal do movimento operário católico, os padres Pereira dos Santos e Abel Varzim publicam críticas ao Estatuto do Trabalho Nacional, e em 1946 o jornal é suspenso, vindo a ser encerrado dois anos mais tarde.
Na década seguinte começam a ouvir-se vozes críticas de dois bispos: D. António Ferreira Gomes, prelado de Portalegre e depois do Porto,e D. Sebastião Soares de Resende, bispo da Beira (Moçambique). Os dois tinham estudado Filosofia e Teologia na Universidade Gregoriana, em Roma. A crítica do primeiro incidia sobre a «imerecida miséria do povo português», enquanto o segundo censurava as práticas coloniais (Morier-Genoud 2019).
Nas eleições presidenciais de 1958, um grupo de católicos apoia a candidatura oposicionista de Humberto Delgado. D. António Ferreira Gomes envia a Salazar um pro memoria para uma conversa – que nunca chega a realizar-se –, colocando a questão da liberdade política dos católicos. Na sequência, é forçado ao exílio, em que permanecerá entre 1959 e 1969. D. António Ferreira Gomes e D. Sebastião Soares de Resende foram os prelados mais interventivos no Concílio Vaticano II (1962-1965), que despertou consciências e reforçou as razões de alguns católicos contra a ditadura (Almeida 2016).
No início da década de 1960, nove padres angolanos são presos e colocados na prisão ou em residência fixa, sob vigilância policial, na metrópole portuguesa, por suspeitas de anticolonialismo (Alves 2015). Dois deles, Joaquim Pinto de Andrade e Alexandre Nascimento, partilhavam o mesmo percurso formativo na Pontifícia Universidade Gregoriana, onde haviam contactado com os movimentos anticoloniais europeus. Na prisão do Aljube, o padre Joaquim Pinto de Andrade, que fez durante a ditadura um trajeto ligado ao MPLA, conheceria o jovem José Medeiros Ferreira e estabeleceria com Nuno Teotónio Pereira – figura de referência na contestação católica à guerra colonial – uma relação próxima.
Aproveitando o período de residência na metrópole, o padre Alexandre do Nascimento forma-se em Direito na Universidade de Lisboa, vivendo com proximidade a crise académica de 1962. Nessa época, torna-se amigo de João Cravinho e de vários católicos empenhados em publicações críticas da ditadura, nomeadamente os que se reuniam na editora Moraes e em O Tempo e o Modo, com ligações intelectuais a França, bem como na publicação clandestina Direito à Informação, organizada, entre outros, por Nuno Teotónio Pereira, por Joana Lopes (formada em Filosofia pela Universidade de Lovaina) e pelo dominicano Frei Bento Domingues, que seguiu, em Roma, os trabalhos do Concílio Vaticano II.
Outro dos católicos com quem Alexandre Nascimento estabelece contacto em Lisboa é Felicidade Alves. O pároco de Belém, que acompanha de perto o fervilhar de ideias contestatárias no cadinho católico europeu (Horn 2007), causa escândalo político e eclesiástico pelas posições públicas que toma contra a guerra colonial e contra o conservadorismo eclesial, depois de regressar de Paris, onde tinha ido estudar e onde tinha participado no Maio de 68.
Em 1970, a receção de três representantes dos movimentos de libertação pelo Papa Paulo VI no Vaticano causa um incidente diplomático rapidamente resolvido, mas é também simbólica do conflito entre um regime político e uma Igreja em crise. Na metrópole, surgem publicações católicas mais radicais: os Cadernos GEDOC (Grupos de Estudos e Intercâmbio de Documentação, Informações e Experiências), dirigidos por Felicidade Alves, com posições teológicas e políticas de vanguarda, atentas à teologia da libertação na América Latina, à luta anticolonial e à teologia da revolução europeia; ou o Boletim Anti-Colonial, divulgando informação relativa à guerra colonial, dirigido, entre outros, por Luís Moita, que se havia formado na Universidade Gregoriana.
A ação mais emblemática da oposição católica neste período é a vigília da capela do Rato, organizada por católicos em colaboração com as Brigadas Revolucionárias, na passagem de ano de 1972 para 1973, em resposta ao mote de Paulo VI, a «Paz é Possível». Foi pensada de modo a alcançar um impacto mediático – até internacional – que a vigília em S. Domingos, organizada no final de ano de 1968, não conseguira alcançar.
Em Angola, as atitudes críticas dos missionários espiritanos causam escasso impacto mediático, não logrando quebrar a unidade do episcopado, mas em Moçambique sucedem-se os episódios de conflito entre o Estado colonial e religiosos, com repercussões internacionais: expulsão dos Padres Brancos, por críticas ao colonialismo português, em 1971; prisões, em 1972, de dois padres de Burgos e de dois padres do Macúti por denunciarem os massacres de Mucumbura; denúncia do massacre de Wiriamu, em 1973 – uma semana antes da visita oficial de Marcello Caetano a Londres –, pelo padre britânico Adrian Hastings, em colaboração com missionários portugueses e espanhóis; solidariedade de católicos pela morte do pastor presbiteriano Zedequias Manganhela, na prisão de Machava, em 1972. Sucessivas intervenções do bispo de Nampula, D. Manuel Vieira Pinto, em sintonia com diversos missionários, intensificam a fratura interna na Igreja católica e o conflito com o Estado português. A 10 de abril de 1974, o bispo de Nampula será expulso de Moçambique, juntamente com onze missionários combonianos.
A história da oposição católica ao Estado Novo tece-se, em suma, entre Portugal e o centro europeu, percorrido por vagas de renovação teológica e por inflexões católicas à esquerda, mas envolvendo também a insularidade britânica e a América do Norte, com uma agenda liberal, a América Latina, inspirada pela Teologia da Libertação, e o espaço colonial africano, como horizonte de experiências missionárias. - Creator
- Almeida, João Miguel
- Relation
- Instituto de História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa / IN2PAST — Laboratório Associado para a Investigação e Inovação em Património, Artes, Sustentabilidade e Território
- Date Issued
- 16-01-2025
- References
- Almeida, João Miguel Almeida (2016). "Progressive Catholicism in Portugal: Considerations on Political Activism (1958-1974)", Histoire@Politique 30 (setembro-dezembro).
Alves, Carlos Alberto (2015). Esperar pela Hora de Deus. O exílio forçado de sacerdotes angolanos em Portugal, 1960-1974, Luanda: Mayamba Editora.
Horn, Gerd-Rainer (2007). The Spirit of ’68. Rebellion in Western Europe and North America, 1956-1976, Oxford: Oxford University Press.
Morier-Genoud, Eric (2019). Catholicism and the Making of Politics in Central Mozambique, 1940-1986, Rochester: University of Rochester.
Rezola, Inácia (1999). O Sindicalismo Católico no Estado Novo, 1931-1948, Lisboa: Estampa.
Collection
Citation
Almeida, João Miguel, “Oposição católica ao Estado Novo,” Connecting Portuguese History, accessed March 7, 2025, https://connectingportuguesehistory.org/omeka/items/show/94.
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