Brujas, Lisboa, Madrid (1930)
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- Brujas, Lisboa, Madrid (1930)
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- María Enriqueta Camarillo y Roa de Pereyra (Coatepec, México, 19 de janeiro de 1872 – Cidade do México, 13 de fevereiro de 1968) fez parte do movimento modernista (Villanueva Eguia Lis 2018), embora na sua obra literária se perceba a influência do Romantismo (Martínez Andrade 2012: 721). Camarillo cresceu num ambiente em que a literatura era de grande importância. A sua mãe, Dolores Roa Bárcenas, escrevia e dedicou-lhe o ensaio A mi pequeña y adorada hijita María Enriqueta (Fiscal 1997: 184-184) e o seu tio José María Roa Bárcena era membro da Academia Mexicana da Língua (Rosenberg 1935: 59). Camarillo é considerada a primeira escritora profissional mexicana (Granillo Vázquez 2016: 1185) e em 1951 foi nomeada para o Prémio Nobel da Literatura. Foi uma autora muito prolífica, que cultivou uma grande variedade de temas, estilos e géneros literários (Rosenberg 1935: 72). Para além de colaborar em revistas e jornais, como no El Universal, no El Mundo Ilustrado e na Revista Azul, publicou contos, romances, poesia, ensaios, relatos de viagens e memórias (Martínez Andrade 2012: 721). Dedicou parte da sua obra às crianças e aos jovens, destacando-se neste âmbito os cinco volumes de Rosas de la infancia, uma antologia ilustrada de poemas e contos que fez parte do programa educativo mexicano até 1960, a pedido do Secretário da Educação Pública, José Vasconcelos (Guerrero e Flores 2022: 54).
A vasta obra de Camarillo teve grande repercussão e reconhecimento por parte da crítica contemporânea (Phillipps-López 2020: 63-64). Para citar um exemplo, o seu romance El secreto (Editorial-América, 1922) ganhou o prémio de melhor romance estrangeiro atribuído pela crítica literária francesa. Foi traduzido para francês por Agathe Valéry e Mathilde Pomès, e publicado na coleção Les Cahiers Féminins (Librairie Bloud & Gay, 1926). Também foi traduzido para português por Dulce L. de Figueiredo (Empresa Literária Fluminense, 1926) e para italiano por Clara Bartolomei (Istituto di Cultura Italo-Ibero-Americano, 1930) (Hernández Palacios 2017).
A par da sua faceta literária, Camarillo obteve o diploma de piano pelo Conservatório Nacional de Música do México (1895). Compôs obras musicais, deu concertos e ministrou aulas de piano (Fiscal 1997: 185). Como veremos adiante, a música está presente de forma significativa na sua obra literária, tanto na musicalidade da sua poesia como na linguagem metafórica que utiliza. Camarillo também deu aulas de espanhol (Martínez Andrade 2012: 723) e traduziu do francês obras de Charles Augustin Sainte-Beuve, Henri F. Amiel, M. A. Bertille de Beuverand de la Loyère (Champol) e Rodolphe Töpffer (Soltero Sánchez 2002: 7).
A sua biografia é marcada por viagens. Devido à eleição do seu pai, Alejo Ambrosio Camarillo Rebolledo, para deputado federal, em 1879 a família mudou-se de Coatepec para a Cidade do México. Alguns anos depois, em 1895, estabeleceram-se em Nuevo Laredo, quando o pai foi nomeado administrador do imposto do timbre (Fiscal 1997, 185). Mais tarde, a partir de 1898, ao casar com Carlos Hilario Pereyra Gómez, historiador hispanista, María Enriqueta Camarillo regressou à Cidade do México. Devido ao trabalho do seu marido como diplomata, residiria também em Cuba, nos Estados Unidos, na Bélgica, na Suíça e em Espanha (Martínez Andrade 2012: 722-723). Regressou ao México em 1948, onde faleceu aos 96 anos (Fiscal 1997: 181).
Camarillo publicou Brujas, Lisboa, Madrid quando vivia em Espanha. No verão de 1913, o casal Pereyra-Camarillo instalou-se em Bruxelas, uma vez que Carlos Pereyra fora nomeado para o cargo de embaixador do México na Bélgica e nos Países Baixos durante o mandato de Victoriano Huerta. Um ano mais tarde, a eclosão da Primeira Guerra Mundial e o derrube do governo de Huertas levou à mudança temporária do casal para Lausanne e, finalmente, para Madrid, em 1916 (Martínez Andrade 2012: 722-723). É neste contexto que se situam no livro as experiências de viagem de Camarillo. Cronologicamente, as notas biográficas sobre Bruges e Madrid podem ser enquadradas nos períodos em que viveu na Bélgica, quando Pereyra era diplomata, e em Espanha, nos primeiros anos do exílio, quando foi surpreendida por situações pitorescas. Em janeiro de 1926, viajou com o seu marido para Portugal, onde passaram um breve período. Nessa altura, Camarillo assinou contrato com a Empresa Literária Fluminense para a tradução e publicação da sua obra, na série intitulada “Coleção Maria Enriqueta”. No final, apenas três volumes foram publicados: o já citado El secreto, Entre el polvo de un castillo e Cuentecillos de cristal (Hernández Palacios 2017). Nas páginas de Camarillo, encontramos uma referência aos revolucionários (Camarrillo 1930: 52), que pode ser interpretada como uma cronologia post quem sobre a instauração da Primeira República Portuguesa (Martínez Andrade 2012: 723).
O capítulo dedicado a Portugal intitula-se “Una mirada a Portugal” e é constituído por duas crónicas ou subcapítulos: “La bella Portugal” e “Calle de Coimbra”. Ao contrário de outros relatos de viagem, Camarillo não oferece informações sobre o percurso ou sobre os monumentos que visitou, mas uma série de pinceladas que ilustram as impressões causadas pelas cores, cheiros e sons das ruas. Manuel Beguer assinalou que “Brujas, Lisboa, Madrid no es una novela más ni es un libro de viajes. No se describen en él esas poblaciones. María Enriqueta quiso tan sólo dar a conocer el alma de esas ciudades, y lo consiguió. Quienes hayan visitado tales sitios comprenderán mejor que nadie el mérito de la obra, que tiene algo de novela, mucho de historia y no poco de poesía” (Dotor 1943: 252).
Ao descrever Lisboa, recorre a uma metáfora musical e caracteriza-a como um lugar de sonho, onde o tempo parou e o Romantismo sobreviveu:
“Pero hablar de Portugal después de visitar a la reina del Norte, es como pasar de un preludio de Chopin a un andante de Mendelssohn. No se parecen Brujas y Lisboa, por ejemplo; mas estemos seguros de que si un mago transformase en mujeres a las dos ciudades, éstas, al encontrarse de pronto, volarían a darse un estrecho abrazo de comprensión y amistad. Es que las dos, por igual, tienen tal vida interior de ensueño y de poesía, que esa atmósfera les brota por los poros, sale dulcemente de ellas, como un vaho, y las envuelve enteras, haciendo que el viajero, al recordarlas, se pregunte, mirando indeciso a lo lejos: / —¿Las he visto, en verdad, o es sólo un engaño de la fantasía?...” (Camarillo 1930: 47-48).
Esta descrição de Lisboa através de um esboço impressionista parece referir-se a uma cidade encantada. É uma forma muito pessoal de apresentar as cidades, parecendo dotá-las de personalidade e sentimentos. É, precisamente, a nostalgia evocada pelas ruas de Lisboa que lhe permite conectar-se com o seu México natal:
“Sí, el reloj de sus torres se paró en lejano tiempo; y Lisboa y sus hermanas sueñan, se idealizan, aman y cantan, viendo el mar a lo lejos con las hermosas pupilas nostálgicas de sus hijos, pupilas en cuyo fondo parecen caber cielos y mares —¡tan grandes son, tan misteriosas, tan hondas!... / (Así son también los ojos mejicanos: inmensos como los horizontes, ardorosos como los ponientes...)” (Camarillo 1930: 48).
A literatura de viagem está impregnada na biografia da escritora. Assim, em diferentes momentos de Brujas, Lisboa, Madrid observa-se que Camarillo se divide entre o aqui (o novo e diferente) e o ali (o conhecido e familiar). As comparações estabelecidas entre a capital portuguesa e o México partem de associações sensoriais e sentimentais. Camarillo caracteriza Portugal a partir da alteridade, através de comparações constantes. Assim, permite ao leitor, mais do que observar pelos seus olhos, sentir o que ela sente. Nesta perspetiva, é mesmo possível falar de uma viagem interior da autora, que se apropria do espaço e se imbui da cultura sendo, ao mesmo tempo, estrangeira. Ao referir-se ao português, faz alusão à sonoridade e inclui, mais uma vez, uma metáfora musical para marcar as diferenças em relação ao espanhol:
“¿Y qué decir del idioma? Que no está fabricado por hombres, sino por abejas. ¡Tal es la miel de su acento y la dulzura de sus inflexiones!... / Alguien dijo que la lengua portuguesa es el español sin huesos. Y esto es verdad; cuidadosamente fueron extraídas las durezas, y el portugués salió por fin como el caño del agua en el pilón, cantante, persuasivo, mimoso, agraciado, convincente, acariciador. / Y ésta es la voz con que habla Portugal, bellamente timbrada en el hombre, dulcemente acentuada en el niño y en la mujer.” (Camarillo 1930: 50-51)
Em “Calle de Coimbra”, Camarillo descreve uma rua. Não oferece informações sobre os edifícios ou sobre as características do mobiliário urbano, mas expressa o que ela inspira, os sentimentos de tempo estagnado que a imagem antiga e romântica lhe provoca. Esta ideia é também observada quando a autora alude à estrutura urbana de Lisboa, pois acredita que, graças a ela, a cidade será capaz de evitar o impacto do progresso do século XX, marcado pelo desenvolvimento dos meios de transporte:
“Estas calles en escalera, tan antiguas, tan románticas, hechas para la leyenda, para ser cantadas en romance, no están ni pueden estar profanadas por los automóviles. […] No rasgarán el ambiente de esas calles los caballos que arrastran berlinas, ni romperá su paz el timbre de las bicicletas. Y como esas calles son angostas, no han de bajar a ellas los aeroplanos... ¡Dichosas mil veces, porque han podido levantar sus puentes levadizos, para impedir que la vida moderna eche abajo lo que el Tiempo labró con mano amante!” (Camarillo 1943: 51-52).
Esta observação mostra possivelmente a resistência de Camarillo às mudanças do século XX e o seu gosto por uma estética romântica de certa forma ancorada no passado (Soltero Sánchez 2002: 360). Nesse sentido, subscrevia a ideia de que num livro de viagens a imaginação e a memória coexistem. Camarillo confessa aos seus leitores que trouxe de Portugal a memória de uma solitária e misteriosa rua de Coimbra:
“¡No vengáis a estos sitios vosotros, los frívolos que sólo sabéis reír!... Aquí, las ventanas y los balcones están cerrados; en ellos no hay mujeres asomadas. La música de vuestras serenatas alegres no conmovería las paredes carcomidas de estas casas legendarias... ¡No vengáis! Esta calle no habla de amor terreno. Mas... si os atraen la soledad, el silencio, el dolor, entonces... ya os daré las señas para que vengáis. / Por ahora, la calle es mía, sólo mía...” (Camarillo 1930: 56)
Depois de uma leitura atenta de “Uma mirada a Portugal”, não restam dúvidas de que a viagem de Camarillo deixou impressões profundas na sua memória. Foi também um marco na sua projeção internacional, uma vez que, além de ter publicado várias obras em português, em 1930 foi nomeada sócia correspondente do Instituto Histórico do Minho (Hernández Palacios 2017). Nesta perspetiva, Brujas, Lisboa, Madrid é um exemplo do carácter transnacional da obra literária de Camarillo.
- Creator
- Comino, Alba
- Relation
- Instituto de História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa / IN2PAST — Laboratório Associado para a Investigação e Inovação em Património, Artes, Sustentabilidade e Território
- Abstract
- Da autoria da escritora mexicana María Enriqueta Camarillo, Brujas, Lisboa, Madrid (Madrid: Espasa-Calpe, 1930) relata as impressões da viagem da autora pela Europa entre 1913 e 1927 (Martínez Andrade 2012: 723). Não se trata, porém, de um livro de viagens no sentido habitual, uma vez que, ao invés de detalhar o itinerário seguido pela autora, enfatiza o impacto emocional que sobre ela tiveram os lugares visitados ou as obras de arte vistas. Constitui um trabalho inovador na trajetória de Camarillo, que até então só tinha publicado poesia, romances e contos e que, com este livro, se aventura num género que entrelaça autobiografia, cenas de costumes, lendas e anedotas.
- Date Issued
- 31-10-2024
- References
- Dotor, Ángel (1943). María Enriqueta y su obra (Madrid: Espasa-Calpe).
Fiscal, María Rosa (1997). “Reencuentro con María Enriqueta”. En Ana Rosa Domenella e Nora Pasternac (eds.), Las voces olvidadas. Antología crítica de narradoras mexicanas nacidas en el siglo XIX (Ciudad de México: Colegio de México): 181-199.
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Granillo Vázquez, Lilia (2016). “Laura, María Enriqueta y un poco de Gabriela: maestras en América y en España”. En María Gloria Ríos Guardiola, María Belém Hernández González e Encarna Esteban Bernabé (eds.), Mujeres de letras: pioneras en el arte, el ensayismo y la educación (Murcia: Región de Murcia): 1171-1190. https://www.carm.es/web/pagina?IDCONTENIDO=15798&IDTIPO=246&RASTRO=c2709$m4331,433.
Hernández Palacios, Ester (2017). “María Enriqueta Camarillo y Roa de Pereyra. Entre el ángel del hogar y la escritura profesional”. En María Enriqueta Camarillo y Roa de Pereyra, Rincones románticos. Una antología general (Ciudad de México: FCE): 6-66.
Martínez Andrade, Marina (2011). “María Enriqueta Camarillo de Pereyra: Escritora, Maestra y Viajera”. En Sara Beatriz Guardia (ed.), Viajeras entre dos mundos (Dourados: Centro de Estudios de la Mujer en la Historia de América Latina): 559-577.
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Soltero Sánchez, Evangelina (2002). María Enriqueta Camarillo: La obra narrativa de una mexicana en Madrid (Universidad Complutense de Madrid) [tesis doctoral].
Villanueva Eguia Lis, Susana (2018). Prefeminismo Azul: La poética Modernista de María Enriqueta Camarillo y Roa (Madrid: Editorial Pliegos).
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Collection
Citation
Comino, Alba, “Brujas, Lisboa, Madrid (1930),” Connecting Portuguese History, accessed November 21, 2024, https://connectingportuguesehistory.org/omeka/items/show/16.