Instituto Bacteriológico Câmara Pestana
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- Instituto Bacteriológico Câmara Pestana
- Description
- O Instituto Bacteriológico Câmara Pestana (IBCP), fundado em Lisboa em 1892, fez parte de um movimento europeu de afirmação dos laboratórios como instituições centrais da produção científica. Na área da saúde, seguiam o modelo do Instituto Pasteur de Paris (IPP), com serviços no sector da produção de vacinas e de soros, dos cuidados de saúde e da investigação de doenças, com um papel de relevo também no ensino prático da microbiologia (Marques 2019). O modelo pasteuriano da terapêutica anti-rábica, desenvolvido em França por Louis Pasteur (1822-1895), apesar da controvérsia que gerou entre a comunidade médica internacional, depressa suplantou os limites impostos pela geografia. Em Portugal, onde os médicos acompanhavam de muito perto as novidades científicas internacionais (em especial de França e Alemanha) no domínio da microbiologia, debateu-se no final da década de 1880 a conveniência de criar um instituto segundo o modelo pasteuriano. Dirimidas as questões nacionais patentes nas agendas política e científica sobre o assunto, o Estado português, à semelhança de outros países, seguiu o exemplo de internacionalização científica, optando por criar o Instituto Bacteriológico de Lisboa (IBL) (Dec. de 29.12.1892). Assim designado inicialmente, o IBL surgiu numa conjuntura de crise financeira nacional (1891-1892), o que não o impediu de consolidar e expandir o modelo pasteuriano, sobre o qual assentou boa parte da sua atividade científica, e de se transformar numa instituição inovadora no campo da saúde pública. Ficou desde logo sob a tutela do Ministério do Reino (secção da Higiene Pública) e sob a direção de Luís da Câmara Pestana (1863-1899). Foi provisoriamente instalado no Hospital de São José (HSJ) com atribuições similares às do Instituto Pasteur: aplicar a terapêutica anti-rábica, produzir a respetiva vacina, estudar doenças e ensinar a técnica bacteriológica. A tendência do IBL foi a de incorporar novas terapêuticas: em 1895, era instalado o serviço para o tratamento da difteria pela soroterapia, novidade anunciada por Émile Roux (1853-1933) no 8º Congresso de Higiene e Demografia (que teve lugar em Budapeste, em 1894).
O IBL foi gradativamente alargando o seu campo de atuação e desenrolando uma atividade científica de cariz internacional, que teve uma forte expressão na circulação de agentes científicos, de textos, de técnicas, de metodologias e de objetos. O episódio da epidemia de cólera de Lisboa, ocorrido na Primavera de 1894, é paradigmático na história da instituição, tendo à época conferido elevado prestígio internacional ao Instituto. A falta de consenso quanto à etiologia da doença e o receio de que ela se alastrasse de modo irremediável levou ao encerramento imediato das fronteiras pelas autoridades espanholas, impedindo a circulação de pessoas e bens provenientes de Portugal (Baldwin 1999). Neste contexto, o médico Federico Montaldo (1859-1912) foi enviado pelo governo espanhol ao IBL para acompanhar a evolução do estudo bacteriológico da doença, levando depois consigo provas fotográficas do bacilo. O caso fomentou também a troca de correspondência científica (incluindo tubos de cultura e provas fotográficas) entre Câmara Pestana e reputados colegas europeus, como Robert Koch (1843-1910), na Alemanha, Edward Klein (1844-1925), em Inglaterra, e André Chantemesse (1851-1919), em França. Este intercâmbio científico, bem como a singularidade do próprio bacilo, promoveu a entrada do surto epidémico na rede de discussão científica europeia e a inclusão do vibrião lisbonense de Pestana no quadro comparativo de agentes patogénicos estudados pelos bacteriologistas na Europa. Em 1895, Émile Duhourcau (1847-1904), médico nos Pirenéus, visitaria por incumbência do governo francês o IBL, para analisar a atividade científica produzida nos laboratórios fundados sob o modelo do Instituto Pasteur (em Portugal e Espanha). No ano seguinte, divulgou na Revue des Pyrénées um relatório em que elogiava as instalações do IBL, à época ainda no Hospital de São José, e destacava a inovadora prática científica de produção do soro antidiftérico desenvolvida pelo seu diretor, com o uso do burro ao invés do cavalo.
Com o aumento sucessivo de atribuições e a crescente insuficiência dos espaços, o IBL acabaria por ser transferido para o Campo de Santana (1900-1901), para um complexo de edifícios profundamente influenciado pela contemporaneidade da arquitetura laboratorial e hospitalar em uso na Europa. Os responsáveis pelo projeto, Pedro Romano Folque (1848-1922) e Joaquim Pedro Xavier da Silva (1849?-1901), foram em missão de estudo a Paris, onde dialogaram com o diretor do IPP, Émile Roux, e com Henri Belouet, arquiteto da Administração Geral da Assistência Pública e autor de Etudes sur quelques Hopitaux en Allemagne de 1892 (Marques 2019, p. 67). Por ter falecido, inesperadamente, a 15.11.1899, vítima de peste bubónica contraída no Porto, Câmara Pestana não chegou a inaugurar o novo IBL. Os textos fúnebres dedicados ao jovem bacteriologista manifestaram-se também no estrangeiro: não só na imprensa generalista inglesa e francesa, mas também em textos de médicos como Albert Calmette (1863-1933), que integrou a comissão internacional para o estudo da peste (1899), ou Paul Brouardel (1837-1906), presidente do Comité Consultivo de Higiene Pública de França, além de antigos condiscípulos de Câmara Pestana no Laboratório Experimental de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina de Paris, onde o médico português tinha realizado a sua missão de estudo em 1890 (que levaria posteriormente à importação do modelo pasteuriano e à criação do IBL).
Sob a nova direção de Aníbal Bettencourt (1868-1930), o agora designado IBCP manteve a mesma orientação para o internacionalismo científico, como é patente na revista Archives de l’Institut Royal de Bacteriologie Camara Pestana. O primeiro número veio a público em 1906 (ano em que se organizou em Lisboa o XV Congresso Internacional de Medicina) e foi editado em francês para garantir presença nos circuitos científicos internacionais (Gingras 2002). A microbiologia portuguesa, em particular os trabalhos científicos desenvolvidos tanto no IBL, como depois no IBCP, foi alvo de um interesse internacional crescente. A revista alemã Centralblatt für Bakteriologie und Parasitenkunde, fundada em 1887 por Rudolf Leuckart (1822-1898), Friedrich Loeffler (1852-1915) e Oscar Uhlworm (1849-1929) em Iena, e que era o órgão dos bacteriologistas de todo o mundo, é um claro exemplo desse interesse. Nessa revista, foram publicados, em alemão, quatro artigos da autoria de Câmara Pestana e de Aníbal Bettencourt sobre o vibrião de cólera de Lisboa de 1894. Posteriormente (em 1898, 1912 e 1913), mencionou-se um estudo de Câmara Pestana (com o título em português), publicado inicialmente no periódico médico Arquivos de Medicina (de Lisboa); um artigo de Carlos França (1877-1926), médico no IBCP; e um estudo de Aníbal Bettencourt, os dois últimos anteriormente editados nos Archives de l’Institut Royal de Bacteriologie Camara Pestana. - Creator
- Marques, Alexandra
- Abstract
- O Instituto Bacteriológico Câmara Pestana (IBCP) foi fundado em Lisboa em 1892, no quadro de um movimento europeu de afirmação dos laboratórios como instituições centrais da produção científica. Com a identificação de bactérias como agentes patológicos, na transição do século XIX para o século XX, os microscópios passaram a ser instrumentos fundamentais nas práticas biomédicas. O IBCP, as redes internacionais em que se inseriu e as ligações que ajudou a criar são um excelente exemplo do impacto da revolução bacteriológica nas áreas da saúde e medicina em Portugal.
- Date Issued
- 31-10-2024
- References
- Baldwin, Peter (1999). Contagion and the State in Europe: 1830-1930. Cambridge: Cambridge University Press.
Gingras, Yves (2002). “Les formes spécifiques de l'internationalité du champ scientifique”. Actes de la recherche en sciences sociales. Science. vol. 141-142. pp. 31-45.
Marques, Alexandra (2019). O Instituto Bacteriológico Câmara Pestana: Ciência Médica e Cuidados de Saúde (1892-1930). Tese de Doutoramento. Universidade de Évora.
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Citation
Marques, Alexandra, “Instituto Bacteriológico Câmara Pestana,” Connecting Portuguese History, accessed November 21, 2024, https://connectingportuguesehistory.org/omeka/items/show/17.