João Lúcio de Azevedo
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- João Lúcio de Azevedo
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- Azevedo nasceu em Sintra, em 1855. Passou por diversas instituições escolares, até se inscrever no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, obtendo o diploma de comerciário em 1872 (Rodrigues 1999: 39). Nada indica que sua família tivesse posses, embora pelo menos um de seus tios fosse um empresário de relativo sucesso no Brasil (Bastos 2013: 271). Independentemente das condições materiais em que vivia, Azevedo fazia parte da fração privilegiada da sociedade portuguesa com acesso à educação formal, dado que, até a década de 1890, mais de ¾ da população adulta ou em idade escolar não sabia ler nem escrever (Silva 1993: 101).
Em 1873, com apenas 18 anos de idade e o diploma recém-obtido, Azevedo atravessou o Atlântico para desembarcar em Belém do Pará, no norte do Brasil. Teria feito a viagem para trabalhar na empresa daquele tio, que se dedicava à exploração de borracha e à navegação fluvial. Contudo, em vez disso, conseguiu um emprego como caixeiro na importante Livraria Tavares Cardoso, que era administrada por dois irmãos portugueses e que, por isso, fazia parte das referências da comunidade lusitana local, além de ser um ponto de encontro da elite letrada paraense (Barata 2016: 1; Almeida Pina 2015: 45; Corrêa Filho 1955: 425). Ao fim de alguns anos, quando os donos originais retornaram ao seu país natal, Azevedo tornou-se proprietário da livraria e consolidou seu lugar no mundo intelectual belenense (Bastos 2013: 271; Almeida Pina 2015: 45). Em 1880, casou-se com sua prima, Ana da Conceição Botelho, com quem teve três filhos (Barata 2016: 1). O tio (e sogro) acabou por falecer em 1885, deixando os negócios sob a responsabilidade do sobrinho e genro, o que forçou Azevedo a naturalizar-se brasileiro – exigência da legislação então vigente para que pudesse assumir as empresas recém-herdadas (Rodrigues 1999: 40; Bastos 2013: 271).
Os rendimentos da livraria e dos negócios de navegação fluvial e extração de borracha enriqueceram João Lúcio de Azevedo e sua família (Bastos 2013: 271). O conforto garantido pelos negócios permitiu, inclusive, que Azevedo passasse a dedicar parte de seu tempo a outras atividades. Foi a partir de então que o livreiro e empresário começou a estudar história e a escrever a respeito. Seu interesse inicial estava ligado ao estabelecimento dos portugueses na região amazônica, com destaque para as ações dos jesuítas do Pará e as políticas do Marquês de Pombal para o Grão-Pará e Maranhão – temas que, como Ana Luíza Bastos assinala, voltariam a aparecer mais tarde, em sua produção madura (Bastos 2013: 271).
Os primeiros trabalhos de Azevedo foram publicados na imprensa local e, depois, reunidos em um volume intitulado Estudos de História Paraense. Este livro foi mobilizado pelos historiadores brasileiros José Veríssimo, José Luís Alvez e Tristão de Alencar Araripe como título de admissão de Azevedo para sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, condecoração que lhe foi concedida em 1894 (Corrêa Filho 1955: 425-6). José Veríssimo e, mais tarde, João Capistrano de Abreu se tornaram dois dos principais interlocutores de Azevedo – fato registrado pela intensa troca de correspondências entre eles (Batista 2008: 8-10) – e levaram os escritos do historiador luso-brasileiro a circular também no Rio de Janeiro, então capital do Brasil e sua cidade mais importante.
Nesse contexto, João Lúcio de Azevedo já ocupava um lugar de relativa proeminência entre a elite letrada paraense. Além da atividade como livreiro, esteve por exemplo envolvido na criação do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Pará (IHGP), fazendo parte da comissão que estudou a viabilidade da instituição. Contudo, embora estivesse entre os sócios fundadores e a cadeira número 23 do Instituto até hoje carregue seu nome, Azevedo não participou ativamente do cotidiano do IHGP. Em 1900, o mesmo ano em que surgiu o Instituto, o historiador e sua família voltaram em definitivo para a Europa. Azevedo vendeu seus empreendimentos em Belém e, a partir de então, passou o restante da vida sustentado por esse dinheiro (Bastos 2013: 271). Além disso, o próprio IHGP não se mostrou viável. Depois de publicar três edições de sua revista, todas em 1900, o Instituto descontinuou suas atividades, que só seriam retomadas em 1917 (Cardoso 2013: 56).
Depois de viver alguns anos em Paris, Azevedo se estabeleceu em Lisboa e passou a se dedicar integralmente aos trabalhos históricos (Bastos 2013: 272). Escreveu, então, várias obras de relevo, como Os jesuítas no Grão-Pará, A Evolução do Sebastianismo, História de António Vieira, História dos Cristãos-Novos Portugueses e o importante O Marquês de Pombal e a Sua Época. Esses trabalhos, com destaque para o último, foram bem recebidos pela crítica portuguesa, que rapidamente incorporou Azevedo como parte da intelectualidade lisboeta (Barata 2016: 4). Além das próprias investigações, Azevedo colaborou frequentemente com historiadores brasileiros, sobretudo com a obtenção de documentos dos arquivos em Portugal que interessavam a seus colegas do outro lado do Atlântico (Batista 2008: 85-117). A atuação de Azevedo neste período fazia dele um importante ponto de contato entre as historiografias dos dois países, e não só como leitor, escritor e crítico, mas também como articulador de bastidores, com um trabalho que tinha influência direta na produção histórica daquele momento tanto lá quanto cá, especialmente, como já se chamou a atenção, pelo favorecimento da circulação de livros e documentos.
Na década de 1920, ao mesmo tempo em que começava a colaborar com órgãos de imprensa do integralismo lusitano, como a revista Nação Portuguesa, e refletia sobre o problema da alegada “decadência da cultura lusitana” (tal como percebido em alguns círculos intelectuais), Azevedo passou também a discutir a história econômica de Portugal (Barata 2016: 6; Bastos 2013: 275). Seu livro mais famoso, Épocas de Portugal Económico, publicado em 1929 – e que continua sendo objeto de discussão até hoje –, sintetiza suas preocupações que, conforme nota Maria Themudo Barata, estavam organizadas em torno da noção de época:
Sabemos bem como, na apresentação das sínteses, os historiadores lançam mão de quadros e de sequências e a noção de época tem o papel particularizador de chamar a atenção para o homem no tempo, para a conjuntura, para o que é específico do tratamento de especialista na análise do particular sem descurar o geral. […] Subjacente à noção de época e para definir duas situações precisas, [Azevedo] usou, também, a noção de ciclo ao falar da Índia e do “ciclo da pimenta” e, sequentemente […], do “primeiro ciclo do ouro”, sem esgotar com tal noção os recursos expositivos. (Barata 2016: 8)
A noção de ciclo, especificamente, recoloca Azevedo em circulação transnacional, pois Roberto Simonsen – importante industrial e historiador brasileiro – apropriou-se da ideia para elaborar a sua História Econômica do Brasil, publicada pela primeira vez em 1937. Para Simonsen, uma das chaves fundamentais de compreensão do desenvolvimento brasileiro estava em pensar a sua economia em função dos produtos que ao longo do tempo ocuparam o topo da pauta de exportações, bem como as atividades subsidiárias que davam sustentação à produção principal. Portanto, o Brasil teria passado pelo ciclo do açúcar, do ouro, do café etc., com subciclos do gado, de caça aos índios, de expansão territorial e outros, onde cada momento teria trazido algum elemento novo ao processo de integração e consolidação nacional (Simonsen 2005 [1937]). Simonsen reconhece a importância de Azevedo para a concepção de seu modelo explicativo da economia colonial brasileira, citando-o extensivamente.
Azevedo não chegou a ver as discussões que suas ideias provocaram na historiografia brasileira, pois faleceu em 1933, em Lisboa, antes mesmo de Simonsen escrever seu livro (Barata 2016: 7). Mas seu nome continuou a ser celebrado e invocado em momentos de reforço de laços institucionais entre Portugal e Brasil. No centenário de seu nascimento, em 1955, a Câmara Municipal de Lisboa organizou uma exposição em sua homenagem, no Palácio Galveias, enquanto o historiador Virgílio Corrêa Filho escrevia um texto laudatório sobre Azevedo que foi publicado na Revista de História da Universidade de São Paulo (Correia 2015; Corrêa Filho 1955). Mais recentemente, em 2017, a Universidade Federal do Pará e o Instituto Camões criaram em conjunto a cátedra João Lúcio de Azevedo, com o objetivo, justamente, de promover uma maior cooperação entre universidades e instituições de pesquisa do Brasil e de Portugal, fazendo jus à memória de Azevedo como agente de articulação intelectual entre os dois países.
- Creator
- Zorek, Bruno
- Relation
- Instituto de História Contemporânea, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa / IN2PAST — Laboratório Associado para a Investigação e Inovação em Património, Artes, Sustentabilidade e Território
- Abstract
- A trajetória intelectual do historiador João Lúcio de Azevedo – incluindo a memorialística que continua até os dias de hoje, quase 100 anos após seu falecimento – é marcada por constantes conexões transnacionais. As trocas que Azevedo estabeleceu com intelectuais portugueses, brasileiros e de outras origens fizeram dele um elemento ímpar de articulação e promoção da produção do conhecimento histórico nas primeiras décadas do século XX, especialmente no Brasil e em Portugal. Nesse sentido, merece destaque a dimensão pragmática e material de sua atuação, que facilitava a circulação de livros e documentos entre os dois países – um aspecto decisivo para que as pesquisas históricas fossem possíveis naquele contexto. Contudo, mais importante do ponto de vista epistemológico, foi a elaboração e o desenvolvimento da "teoria dos ciclos", iniciada pelo historiador e continuada por diversos intelectuais subsequentes, pautando o pensamento econômico brasileiro do século XX.
- Date Issued
- 7-11-2024
- References
- Almeida Pina, Paulo Simões de (2015). Uma história de Saltimbancos: Os irmãos Teixeira, o comércio e a edição de livros em São Paulo, entre 1876 e 1929. Dissertação de mestrado em História, Universidade de São Paulo.
Barata, Maria do Rosário Themudo (2016). "Azevedo, João Lúcio de (Sintra, 1855 – Lisboa, 1933)", em Dicionário de Historiadores Portugueses. Da Academia Real Portuguesa ao final do Estado Novo. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal.
Disponível em: https://dichp.bnportugal.gov.pt/imagens/azevedo.pdf
Bastos, Ana Luiza Marques (2013). "O historiador luso-brasileiro João Lúcio de Azevedo (1855-1933)", em José Jobson de Andrade Arruda, Vera Lucia Amaral Ferlini, Maria Izilda Santos de Matos & Fernando de Sousa (orgs.), De colonos a imigrantes: I(E)migração portuguesa para o Brasil. São Paulo: Alameda.
Batista, Paula Virgínia Pinheiro (2008). Bastidores da escrita da história: A amizade epistolar entre Capistrano de Abreu e João Lúcio de Azevedo (1916-1927). Dissertação de mestrado em História, Universidade Federal do Ceará.
Cardoso, Wanessa Carla Rodrigues (2013). “Alma e Coração”: O Instituto Histórico e Geográfico do Pará e a constituição do corpus disciplinar da História Escolar no Pará republicano (1900-1920). Dissertação de mestrado em Educação, Universidade Federal do Pará.
Corrêa Filho, Virgílio (1955). "João Lúcio de Azevedo. Historiador luso-brasileiro". Revista de História da Universidade de São Paulo v.11, n. 24, pp. 425-431.
Correia, Rita. "João Lúcio de Azevedo (1855-1933)" (2015). "Dossier" Digital. Lisboa: Hemeroteca Municipal de Lisboa.
https://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/efemerides/luciodeazevedo/LuciodeAzevedo.htm
Rodrigues, Antônio Edmilson Martins (1999). "O Achamento do Brasil e de Portugal. Perfil intelectual do historiador luso-brasileiro João Lúcio de Azevedo". Acervo v.12, n.1-2 (Jan./Dez), pp. 37-66.
Silva, Francisco Ribeiro da (1993). "História da alfabetização em Portugal: fontes, métodos, resultados", em António Nóvoa & Julio Ruiz Berrio (orgs.), A história da educação em Espanha e Portugal: investigações e actividades. Porto: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, pp. 101-121.
Simonsen, Roberto (2005 [1937]). História econômica do Brasil: 1500-1820. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial.
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Zorek, Bruno, “João Lúcio de Azevedo,” Connecting Portuguese History, accessed November 22, 2024, https://connectingportuguesehistory.org/omeka/items/show/21.