Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do Movimento das Forças Armadas
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- Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do Movimento das Forças Armadas
- Description
As Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do Movimento das Forças Armadas (MFA) foram uma das iniciativas mais singulares que ocorreram na conjuntura revolucionária do 25 de Abril de 1974. Foram organizadas pela Comissão Dinamizadora Central (CODICE), estrutura da 5.ª Divisão do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), em colaboração com alguns organismos do Estado, nomeadamente a Direcção-Geral da Cultura Popular e Espectáculos, aliando diferentes sectores da sociedade portuguesa em torno de um novo projecto político.
A sua formalização ocorreu no dia 25 de Outubro de 1974, através de uma conferência de imprensa realizada no Palácio Foz, em Lisboa, no âmbito da qual foi apresentado o Programa de Dinamização Cultural e Esclarecimento Político, documento que clarificou os principais objectivos: “preencher o vácuo cultural e de informação política existente em todo o país, com maior incidência em certas zonas” (Correia et al. s/d: 21); a “luta anti-fascista”; o “esclarecimento do Programa do MFA”; e a criação de uma abrangente “rede cultural” em todo o país, através de uma descentralização cultural. Deste modo, a dinamização cultural tornou evidente a viragem cultural da como demonstraram Fishman & Lizardo (2013), no âmbito do processo mais vasto de aprendizagem da prática democrática (Fishman 2019).
As Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA resultaram de uma pluralidade de experiências individuais e colectivas, que configuraram diferentes modelos inspiradores (ver Almeida 2019). Foram reformuladas ao longo da sua vigência, de acordo com o conhecimento das realidades que procuraram transformar, e em função também do rumo da revolução. As campanhas não apenas reflectiram a experiência da Guerra Colonial, especialmente da acção psico-social realizada pelos militares portugueses, mas também foram inspiradas por modelos internacionais, que incluíram desde os projetos pedagógicos de Paulo Freire até à experiência da revolução cubana, em particular as brigadas de alfabetização e os Comités de Defesa da Revolução (Sánchez Cervelló 1996: 263-264).
Prevendo o Programa de Dinamização Cultural e Esclarecimento Político uma actuação em todo o território, através do trabalho de equipas constituídas por militares e civis, as Campanhas actuaram privilegiadamente nas zonas rurais do norte e centro de Portugal. No entanto, desde o início, foi perceptível uma preocupação transnacional reflectida na deslocação de equipas para os países de acolhimento da emigração portuguesa na Europa (França, Alemanha, Bélgica Luxemburgo, Holanda, Inglaterra e Suíça), colaborando a CODICE, em alguns casos, com a Secretaria de Estado da Emigração.
De acordo com o Livro Branco da 5ª Divisão 1974-1975 (1984), entre 1974 e 1975 foi realizado um total de 10 mil sessões de esclarecimento. As Campanhas percorreram as populações rurais do interior norte e centro, intervindo em campos tão diversificados como o das infra-estruturas, da medicina, da veterinária, da agricultura ou do desporto. Foram construídos acessos, edificados recintos desportivos, promoveu-se o saneamento básico e a electrificação, e prestaram-se consultas médicas gratuitas. A par destas acções, a dinamização cultural integrou áreas como o teatro, as artes plásticas, o cinema, a dança, a música e o circo, coordenadas pelo sector cultural da CODICE. Neste âmbito, as áreas do teatro e das artes visuais tiveram uma actividade muito expressiva. Para os artistas que aderiram à proposta do MFA, as Campanhas foram um laboratório para a experimentação de novas relações com os públicos, contrariando uma arte apartada do real (Almeida, 2024).
Até 11 de Março de 1975, a Dinamização Cultural obedeceu a um modelo itinerante, em que as equipas procediam ao diagnóstico das principais necessidades das populações. O modo privilegiado de actuação eram sessões de esclarecimento que integravam a representação de uma peça de teatro, um concerto, ou a projecção de um filme. Neste modelo itinerante, foram realizadas as acções no distrito da Guarda (de 25 de Novembro de 1974 a 7 de Dezembro de 1974) e nas regiões de Bragança, Vila Real, Lamego e Viseu, numa campanha que assumiu a designação de “Operação Nortada” (de 6 de Janeiro de 1975 a 21 de Janeiro de 1975).
No mês de Janeiro de 1975 têm início duas outras campanhas: a primeira, entre 24 de Janeiro e 2 de Fevereiro, tem como destino o distrito de Castelo Branco; a segunda, denominada “Operação Verdade”, foi realizada no Alto Minho, de 31 de Janeiro a 9 de Fevereiro. Durante o mês de Fevereiro, a CODICE e as suas estruturas regionais e distritais continuam a promover sessões de esclarecimento em todo o país, nas quais se destacam a “Operação Alvorada”, nos concelhos de Ponte de Lima, Caminha, Vila Nova de Cerveira e Paredes de Coura, e a “Operação Povo Culto”, nos concelhos de Tavira, Castro Marim e Alcoutim.
No primeiro dia de Março de 1975, inicia-se a “Acção Atlântida”, no arquipélago dos Açores. Com duração prevista até dia 17, viria a ser suspensa devido aos acontecimentos do 11 de Março. A última campanha a ser realizada sob égide do modelo itinerante foi a “Operação Cávado”, que se propôs percorrer o concelho de Barcelos entre os dias 10 e 16 de Março.
A partir da “Operação Nortada”, o modelo itinerante e a tipologia de actuação são reavaliados. O 11 de Março de 1975 viria a desencadear a reestruturação das Campanhas de Dinamização Cultural, às quais é acrescentada uma nova dimensão: a Acção Cívica. No testemunho e na análise de Correia et al. (s/d), esta nova etapa baseia-se na experiência das acções anteriores, fazendo-se agora a apologia das campanhas de longa permanência, caracterizadas pela fixação de meios técnicos e culturais, dotando-se a CODICE de mais valências, que ampliam e fortalecem o seu campo de intervenção (ver Almeida 2009).
As campanhas realizadas sob a égide da “acção cívica” desenvolveram-se em várias fases, permanecendo no terreno por períodos mais prolongados. Por exemplo, a acção realizada no distrito de Viseu estará em curso durante um ano (de 20 de Março de 1975 até ao primeiro trimestre de 1976). A campanha “Maio-Nordeste”, realizada no distrito de Bragança, decorrerá durante cinco meses (tem início a 17 de Maio de 1975 e é interrompida em Outubro).
Visando democratizar o mundo rural por meio de iniciativas culturais dedicadas a denunciar o passado repressivo e a promover a participação cívica, as Campanhas enfrentaram fortes reações no norte rural, alimentadas pela Igreja conservadora e pelas elites locais. Na sequência do 25 de Novembro de 1975, a CODICE seria extinta no dia seguinte, embora algumas equipas tenham permanecido no terreno até ao início de 1976.
- Creator
- Almeida, Sónia Vespeira de
- Relation
- Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA)
- Date Issued
- 12-11-2024
- References
- Almeida, Sónia Vespeira de (2009). Camponeses, Cultura e Revolução. Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA (1974-1975), Lisboa: IELT-Colibri.
Almeida, Sónia Vespeira de (2024). “Etnografia retrospectiva 2.0. O gesto artístico na revolução”. Etnográfica, Número especial 50 anos 25 de Abril, pp. 165-179.
Correia, Ramiro et al (s/d). MFA, Dinamização Cultural, Acção Cívica, Lisboa: Ulmeiro.
Fishman, Robert M. (2019). Democratic Practice. Origins of the Iberian Divide in Political Inclusion, New York: Oxford University Press.
Fishman, Robert M. & Omar Lizardo (2013). “How Macro-Historical Change Shapes Cultural Taste: Legacies of Democratization in Spain and Portugal”. American Sociological Review, 78(2), pp. 213–239.
Livro Branco da 5ª Divisão 1974-75 (1984). Lisboa: Livraria Ler.
Sánchez Cervelló, Josep (1996). “Las Fuerzas Armadas durante la revolución portuguesa: autonomía y reorganización (1974-1976)”, Torre, Hipólito de la (org.), Fuerzas Armadas y poder político en siglo XX de Portugal y España, Mérida: UNED, 243:273.
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Collection
Citation
Almeida, Sónia Vespeira de, “Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do Movimento das Forças Armadas,” Connecting Portuguese History, accessed November 24, 2024, https://connectingportuguesehistory.org/omeka/items/show/41.