No ano de 1936, o foneticista português Armando de Lacerda (1902-1984) criou na Universidade de Coimbra o Laboratório de Fonética Experimental. Equipado com modernos cromógrafos e aplicando métodos inovadores para a análise dos sons da linguagem, este espaço chegou a ser considerado por diversos membros da comunidade internacional como o mais avançado laboratório de Fonética Experimental da Europa. O estudo científico da fala humana desenvolvido por Lacerda atraiu ao longo de décadas investigadores dos quatro cantos do mundo, transformando o seu laboratório num dos centros da ciência fonética a nível global.
Ao longo do século XX, o futebol foi um dos principais campos de produção e reprodução de um imaginário nacional português. A trajectória de Béla Guttmann - um judeu nascido em 1899 na Hungria e o treinador que levou o Benfica a vencer por duas vezes a Taça dos Clubes Campeões Europeus - permite contar uma nova história do futebol, centrada na circulação transnacional de agentes, ideias e instituições.
Antigo combatente da luta armada de libertação de Moçambique, Matias Tomé Upinde (1945-2024) é uma figura quase desconhecida, tanto em Moçambique como em Portugal. No entanto, enquanto Comandante de Batalhão das Forças Internacionalistas de Moçambique no Zimbabué (1978-1980), a sua história de vida, narrada pelo próprio, em 2023, durante uma visita ao Monumento e Centro de Interpretação da Matola, no âmbito da Conferência Internacional “Samora Machel e a África Austral”, convida-nos a repensar o lugar da República Popular de Moçambique enquanto “Estado da Linha da Frente” na região da África Austral, cruzando a resistência ao colonialismo português, o combate ao regime de minoria branca da Rodésia do Sul e a luta contra o apartheid na África do Sul.
Instalada numa pequena aldeia na zona do Ribatejo, em Portugal, a Sociedade Anónima de Rádio-Retransmissão, S.A.R.L, mais conhecida como RARET, desempenhou um papel importante nas disputas de propaganda e informação durante a Guerra Fria. A sua história ligou o conflito entre norte-americanos e soviéticos ao posicionamento externo da ditadura portuguesa, desde o pós-segunda guerra mundial até ao tempo da democracia, passando pelas tensões internacionais relativas à guerra colonial.
A utilização do sabão pode ser abordada no âmbito da história da vida privada, ou até no campo da economia e da investigação química, com o desenvolvimento das saboarias e da indústria dos detergentes. Tema que extravasa fronteiras, permite reflexões sobre higiene, saúde pública, propriedades fitoterápicas de certos sabões e a patrimonialização do limpo e do sujo, remetendo para diferentes dimensões políticas e culturais do corpo.
A história da polícia em Portugal participou de movimentos mais amplos de circulação de ideias, políticas, modelos e saberes, com destaque para a influência exercida por desenvolvimentos ocorridos na França e no Reino Unido. Foi também uma história feita em resposta a fenómenos transnacionais tão diversos como o aumento da circulação portuária entre as grandes cidades e a emergência dos autoritarismos de direita que, como no caso do Estado Novo, vieram atribuir à polícia a função de garante da ordem nacional, mais do que dos direitos dos cidadãos.
Nascido em Angola, Bonga é um dos principais intérpretes e criadores da música popular angolana. A sua obra faz parte não apenas da história contemporânea de Angola, mas também da história das canções de protesto contra o regime colonial português.
As pragas de gafanhotos devastam colheitas, causando pobreza e fome em diversas regiões. Esses episódios, recorrentes e transnacionais, desafiam fronteiras e exigem cooperação entre países, como ocorreu em Portugal e Espanha em 1898.
Presença assídua nas manhãs de muitos de nós, o café e a sua economia global têm uma história de que o império português participou, com destaque para Angola, que se tornou um dos maiores produtores mundiais do produto.
Médico, revolucionário, deputado, exilado político e estadista, Bernardo Peres da Silva (1775-1884) é hoje praticamente desconhecido fora do círculo restrito dos especialistas na história de Goa. Durante 18 curtos dias do mês de janeiro de 1835, no entanto, Peres foi o primeiro e único goês a ter nas mãos as rédeas do governo da colónia. Ponto culminante de uma vida atribulada, que atravessou três continentes, o breve governo de Peres torna-o uma figura singular na história global do período que os historiadores convencionaram designar como a Era das Revoluções. O seu percurso como defensor do liberalismo constitucional e crítico feroz do despotismo colonial é demonstrativo das possibilidades abertas pelo terramoto político e conceptual desencadeado pelas crises e revoluções que marcaram a viragem do século XVIII para o século XIX. Mas é também revelador dos limites da emancipação política num sistema colonial.
O abolicionismo foi sendo moldado pelo movimento liberal que, a partir de finais do séc. XVIII, cruzou as fronteiras dos países ocidentais e das suas colónias como um patamar de civilização firmado sobre os direitos individuais e universais da pessoa humana. Seguiu processos semelhantes ao longo do tempo e foi-se afirmando em fases sucessivas até hoje. Continua a ser um problema atual, embora em 2022 já existissem 148 estados abolicionistas, dando ideia de um movimento imparável no mundo contemporâneo.
Esta entrada aborda a consolidação do conceito de “indesejável” no período entreguerras e a forma como Portugal se inseriu nesta lógica, particularmente em voga na Europa, classificando dessa forma quem considerava suspeito e representativo de uma ameaça política e social.
No século XX, Portugal tornou-se líder mundial no setor corticeiro, cuja receita provém da exportação de produtos derivados desta matéria-prima. Sendo um negócio internacionalizado, a presença de agentes económicos estrangeiros, sobretudo no século XIX, foi essencial para o seu desenvolvimento. Esta entrada resume a evolução do setor da cortiça em Portugal no período contemporâneo, destacando as constantes ligações transnacionais que têm contribuído para sustentar um dos principais setores da economia portuguesa.
A seguir à Revolução dos Cravos, Portugal viu-se confrontado com o retorno dos seus colonos de Angola e Moçambique. A chegada de cerca de meio milhão de retornados durante o PREC representou um desafio suplementar para as autoridades. Como em França na década anterior, que teve de acolher os pieds-noirs da Argélia, os diferentes governos que se sucederam tiveram de implementar um conjunto de medidas visando a integração desta população.
Da autoria da escritora mexicana María Enriqueta Camarillo, Brujas, Lisboa, Madrid (Madrid: Espasa-Calpe, 1930) relata as impressões da viagem da autora pela Europa entre 1913 e 1927 (Martínez Andrade 2012: 723). Não se trata, porém, de um livro de viagens no sentido habitual, uma vez que, ao invés de detalhar o itinerário seguido pela autora, enfatiza o impacto emocional que sobre ela tiveram os lugares visitados ou as obras de arte vistas. Constitui um trabalho inovador na trajetória de Camarillo, que até então só tinha publicado poesia, romances e contos e que, com este livro, se aventura num género que entrelaça autobiografia, cenas de costumes, lendas e anedotas.